top of page

Drogas: um mundo de vício não tão distante

Segundo estimativa, mais de oito milhões de brasileiros são dependentes químicos

O uso de drogas é um problema universal: não distingue classe social, idade, sexo, cor, ou crença. A dependência química é acima de tudo uma doença – que atrapalha, incomoda e marginaliza. “É como um relacionamento afetivo com a droga; você não tem mais namorado, você tem a droga; você não se alimenta mais, porque tem a droga”, conta Adriano Leão, diretor de uma clínica especializada em dependência química na cidade de Sorocaba (SP).

A estimativa é que cerca de 5,7% da população brasileira seja dependente de álcool, maconha e/ou cocaína, o que significa mais de oito milhões de pessoas, segundo o Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos (LENAD Família), realizado entre os anos 2012 e 2013 pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O LENAD também mostra que 1,5 milhão de adolescentes e adultos usam maconha diariamente no Brasil.

Outro dado é da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicando que cresceu o uso de drogas ilícitas por adolescentes que vivem nas capitais entre 2009 e 2012. O porcentual passou de 8,7% para 9,9%, significando um pouco mais de 312 mil jovens.

E, dentro desta realidade, o maior problema, para Adriano Leão, é a desinformação, onde as pessoas em geral ainda não encaram a droga como uma doença, e o viciado dificilmente aceita sua posição de paciente. “As famílias estão vendo seus entes queridos morrerem, porque não sabem o que fazer”, comenta.

Por que a droga?

Em geral, diz o especialista, a pessoa que não consegue lidar com problemas rotineiros acaba criando uma carga dentro de si, que a leva a buscar no álcool e nas drogas uma fuga de sua realidade.

Também contribuem para o início da dependência, especialmente dos jovens, fatores como o estilo de vida, os lugares de convívio social e a cultura, além da curiosidade e o desejo de fazer parte de um grupo, longe do bullying tão frequente na infância e na adolescência.

Dificuldades de se relacionar, falta de habilidade para lidar com problemas, tristezas, perdas e traumas também fazem parte da lista de causas possíveis para a dependência química. “Quando fala de saúde mental, você tem que estar aberto a tudo, porque tudo que gera emoção e sentimento compromete você de alguma forma”, afirma o especialista, há 17 anos trabalhando na área.

J.F., de 31 anos, é paciente na clínica de Adriano Leão. Ele experimentou drogas pela primeira vez aos 16 anos e nunca conseguiu se livrar totalmente do vício. “Foi aquele momento de amizades, de conhecer algo novo”, recorda.

Sua primeira internação foi aos 17 anos. Ele passou cerca de uma década “limpo”, mas, depois de problemas em seu casamento, teve uma recaída – primeiro no álcool, e depois em outras substâncias. “Faz três anos que estou lutando contra essas drogas mais pesadas”, diz, para depois recomendar: “Não comecem a usar na amizade, em experimentar algo novo, porque desse novo vem um problema, que é o vício.”

Sintomas e tratamento

O viciado em drogas pode apresentar sinais de violência, irritabilidade, nervosismo, impaciência, reclamação, intolerância, euforia e agressividade verbal e física. Mas também existem outros sintomas que podem ser notados pelos familiares, como a falta de disciplina e interesse na escola e no trabalho.

Com o tempo, o dependente pode apresentar déficit de atenção, perdas de memória, arritmia cardíaca e problemas pulmonares, que podem até levar à morte em caso de uso exagerado. O álcool, segundo Adriano Leão, é a droga mais degradante e a única que mata até mesmo nos períodos de abstinência, pois provoca insuficiência cardíaca, trombose, convulsões, aneurismas, acidente vascular cerebral e comprometimento nas funções hepáticas, entre outros problemas.

O tratamento para se livrar da droga é longo. Segundo Leão, uma internação pode variar de seis meses a dois anos, mas a doença, na prática, não tem cura. Durante o processo, é preciso mudar os hábitos do cotidiano e passar por uma desintoxicação com a ajuda de medicamentos.

Mas, para continuar longe das drogas e do álcool, o paciente deve se preparar para manter o foco pelo resto da vida. Atendimentos psicológicos, ambulatoriais, participação em grupos de apoio e busca de orientação espiritual, importante no resgate de valores, podem fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso.

Hoje, existem profissionais capacitados para poder dar atendimento de qualidade para cada paciente dentro da sua individualidade. Desta forma, a família do dependente tem que estar atenta a buscar auxílios e esclarecimentos para ser direcionada ao tratamento adequado. J.F., por enquanto, está satisfeito com os resultados de sua nova tentativa, em que conta com valioso apoio familiar.

“Está sendo excelente. As coisas estão se encaixando; como era para ser. E o apoio da família é muito importante para um dependente químico, porque você está confinado dentro de uma clínica, então fica um pouco carente e depende das pessoas que gostam de você de verdade”.

Adriano Leão conta que a pessoa deve, acima de tudo, ser sincera consigo mesma e buscar orientação e um diagnóstico para a doença. Desenvolver vínculos com o paciente é fundamental para o sucesso do tratamento.

Como mudar essa realidade?

A socióloga Angelica Caniello, mestre em comunicação e cultura, comenta que, no Brasil, a ferramenta usada para diminuir o consumo e o tráfico das drogas ilícitas é, quase que exclusivamente, com a repressão.

Apesar disso, para ela, nas últimas décadas houve certo avanço na direção da descriminalização da droga, transferindo a questão para um problema de saúde pública. “Mas pouco ou nada se faz em termos de política inclusiva. Pelo contrário, assistimos o poder público atuar com medidas de ‘higienização social’, colocando debaixo do tapete o real problema social”, critica.

De acordo com a socióloga, os programas de prevenção ao uso de drogas, que seria o caminho para a reintegração do dependente na sociedade, e as políticas públicas devem funcionar como agentes modificadores do meio ambiente social.

“Nas escolas, esses programas preventivos precisam ser iniciados desde o ciclo básico, com projetos que trabalhem valores e o desenvolvimento do protagonismo juvenil. Um processo de construção do indivíduo enquanto cidadão responsável e saudável”, explica. Mas a responsabilidade pelo combate das drogas não deve ser somente da escola: “é um trabalho que só pode dar resultados se feito em conjunto com a família, a comunidade e o poder público. Assim todos saem ganhando”, conclui.

Jennifer Lucchesi

Jennifer Lucchesi é estudante do 5º semestre de jornalismo da Uniso (Sorocaba-SP) e participante do projeto Muito Mais, sob orientação do jornalista Fernando Cesarotti, voluntário no Instituto Noa (www.institutonoa.org.br)

bottom of page